Quando a Alma Esquece Por Que Veio: A Neurose Como Recusa da Encarnação

Há algo profundamente revelador na estrutura da neurose obsessiva e da histeria: ambas funcionam como uma recusa da materialidade, uma fuga para o reino da fantasia onde tudo pode permanecer potencial, nunca realizado. E se essa dinâmica psíquica não for apenas um mecanismo de defesa, mas um eco de algo mais profundo – uma resistência da alma ao próprio ato de encarnar?
Imagine uma consciência habitando o plano espiritual, livre das limitações da matéria. Ali, no mundo das ideias, tudo é possível simultaneamente. Não há contradição, não há frustração, não há o peso da escolha concreta. É puro potencial, pura imaginação criativa. A alma flutua entre possibilidades infinitas, todas igualmente reais no plano mental.
Então vem a decisão de encarnar na Terra. A alma sabe, em algum nível, que precisa descer à densidade da matéria para evoluir, para transformar potencial em experiência real. Mas quando chega aqui e o véu do esquecimento cai, algo estranho acontece: ela trava.
O neurótico obsessivo fica preso em rituais mentais, pensamentos circulares, preparações infinitas que nunca chegam à ação. Ele planeja, analisa, imagina cenários – mas quando é hora de agir, de concretizar, algo o paralisa. É como se uma parte dele lembrasse, inconscientemente, que no plano espiritual não precisava escolher, não precisava limitar-se a uma única possibilidade material.
A histérica vive dramas intensos na imaginação, fantasias ricas onde é protagonista de todas as emoções – mas quando o desejo pode se realizar de fato, ela foge. Porque a realização real nunca corresponde exatamente à fantasia. A matéria é imperfeita, os corpos são limitados, as pessoas reais decepcionam. A fantasia era melhor justamente porque era apenas fantasia.
A psicanálise nos mostra que o neurótico prefere o desejo à satisfação. Freud percebeu isso: há um gozo na própria tensão do desejo não realizado, uma satisfação masoquista em manter-se à beira de algo que nunca se consuma. Lacan foi além: o neurótico pergunta “estou vivo ou morto?” – e sua resposta é ficar num limbo entre os dois, nem plenamente encarnado, nem totalmente desencarnado.
Espiritualmente, isso faz ainda mais sentido. A neurose seria uma saudade inconsciente do plano espiritual, uma nostalgia de quando tudo era leve, mental, ilimitado. O neurótico chegou à Terra e pensou: “Não é isso que eu imaginava. Aqui é pesado, doloroso, limitado. As coisas não acontecem como eu planejei”. E então se recusa a participar plenamente.
Mas aqui está o paradoxo cruel: a alma escolheu vir justamente porque aqui é pesado, limitado, desafiador. A evolução espiritual não acontece flutuando em ideias perfeitas – acontece suando, sangrando, errando, levantando. A matéria é a escola onde o espírito se forja.
O neurótico se esqueceu do propósito. Ele quer voltar para o conforto do plano mental, mas sem desencarnar completamente. Então cria um meio-termo: vive no corpo, mas refugia-se na mente. Está aqui, mas não está. Matriculou-se na escola terrestre, mas passa o tempo todo sonhando acordado pelas janelas da sala de aula.
A cura, tanto psicanalítica quanto espiritual, passa por relembrar e aceitar: você está aqui por uma razão. A imperfeição da matéria não é um erro – é o ponto. A frustração de que a realidade não corresponde à fantasia não é fracasso – é a lição. Encarnar é aceitar limites, fazer escolhas concretas, sujar as mãos de Terra.
Porque só assim a ideia vira experiência. E só a experiência transforma a alma.
Paula Teshima





