Psicanálise Não é Para Todos

Nem todo mundo se interessa por psicanálise. A maioria das pessoas vive voltada para fora — trabalho, família, conquistas materiais. E não há nada de errado nisso. Provavelmente essas pessoas tiveram infâncias mais tranquilas, sem traumas profundos que as obrigassem a olhar para dentro. Elas simplesmente seguem vivendo, sem a necessidade urgente de se questionar.
Mas existe um outro tipo de pessoa. Aquela que não tem escolha senão mergulhar no próprio interior. Porque a dor não deixa outra saída. São as que nasceram em ambientes caóticos, disfuncionais, violentos. Cresceram entre rejeições, traições, abandonos. E essas experiências não foram acidentes — foram convocações.
Pode parecer estranho pensar assim, mas talvez não seja coincidência nascer justamente numa família que nos machuca. Talvez, em algum nível mais profundo, a alma tenha escolhido esse cenário. Não por masoquismo, mas porque sabia que só uma dor intensa o suficiente seria capaz de tirar essa pessoa da zona de conforto e empurrá-la para dentro de si mesma.
Se você nascesse numa família equilibrada, sem grandes conflitos, provavelmente não sentiria a necessidade de se questionar tanto. Seguiria a vida fazendo pequenos ajustes, se anestesiando com distrações externas. Mas quando a ferida é funda demais, quando a rejeição se repete tantas vezes que você não aguenta mais, aí sim: você para. Você olha. Você busca respostas onde ninguém mais procura — dentro.
É por isso que a psicanálise não é para todos. Ela exige coragem brutal. Exige que você encare verdades sobre si mesmo que sempre evitou. Exige que desista de ilusões confortáveis sobre quem você achava que era. E isso dói. Dói mais do que continuar fingindo que está tudo bem.
Quem se interessa de verdade por psicanálise geralmente já sofreu muito. Talvez, desenvolveu alguma neurose ao longo da vida. Tornou-se um investigador da própria dor — e depois, da dor alheia. Só quem já esteve perdido dentro de si consegue reconhecer os padrões, entender as entrelinhas, sentir empatia genuína pelo sofrimento do outro.
E tem algo curioso: muitas vezes, a vida dessas pessoas parece ter sido meticulosamente planejada para que sofressem. Sofressem tanto que nenhuma solução externa funcionasse. Nenhum relacionamento, nenhuma conquista, nenhuma distração resolvesse de fato. Porque a salvação nunca esteve lá fora. Estava dentro, esperando ser descoberta.
Talvez a Terra seja mesmo uma escola, como dizem os espiritualistas. Um lugar denso, difícil, onde viemos colocar em prática o que aprendemos em outros planos. Escolhemos nascer aqui, nessas condições específicas, para trabalhar questões profundas. Por exemplo, se você veio para lidar com a rejeição, não vai nascer numa família acolhedora. Vai nascer justamente onde a rejeição acontece, repetidamente, até que você não aguente mais e decida mudar.
A dor, então, não é punição. É portal. É o chamado da alma pedindo atenção. E quando você finalmente para de resistir e mergulha nela, algo se transforma. Você deixa de ser vítima da própria história e se torna autor de uma nova narrativa.
Psicanálise não é para quem quer. É para quem precisa. Para quem a dor empurrou até o limite e não deixou outra escolha senão olhar para dentro. E, ironicamente, é justamente nesse olhar — doloroso, corajoso, transformador — que a verdadeira liberdade começa.
Paula Teshima


