O Recalcado é o Chamado da Alma

Existe uma ilusão muito comum: a de que podemos simplesmente ignorar o que nos incomoda e seguir em frente. Empurrar para baixo do tapete aquela raiva, aquela mágoa, aquele medo. Fingir que não existem. Mas a verdade é simples e implacável — toda repressão fracassa.

Tudo o que você rejeita não desaparece. Vai para o inconsciente e fica ali, esperando. E mais cedo ou mais tarde, tenta voltar. Você pode até conseguir manter tudo trancado por um tempo, mas isso exige um esforço gigantesco. É como segurar uma bola debaixo d’água: quanto mais você força, mais energia gasta. E essa energia poderia estar sendo usada para viver, criar, construir algo novo. Mas não. Está toda investida em manter as portas fechadas.

Quando rejeitamos uma emoção ou uma parte de nós mesmos, algo se fragmenta. É como se um pedaço da nossa alma ficasse do lado de fora, batendo na porta, pedindo para entrar. E aí vem aquela sensação estranha de estar vivendo pela metade. De não estar inteiro. Porque, de fato, você não está.

Muita gente aprendeu isso na infância. Não sabia lidar com tristeza, raiva ou frustração, então simplesmente jogava tudo para debaixo do tapete. Os pais não ensinaram outra forma. A solução mais fácil era fingir que não existia ou colocar a culpa nos outros. E esse padrão segue pela vida adulta, criando uma personalidade cada vez mais dividida.

Mas existe um motivo maior para estarmos aqui. Não viemos à Terra só para pagar contas e passar o tempo. Cada um tem um propósito, algo que veio trabalhar, desenvolver, aprender. E quanto mais evitamos olhar para dentro, mais nos afastamos desse propósito. Ficamos desalinhados, desconectados, vivendo no piloto automático.

Os sintomas aparecem justamente para nos avisar disso. Aquela ansiedade que não passa. Aquela dor no corpo que nenhum médico explica. Aquele medo irracional. São sinais de que algo interno está pedindo atenção. Não adianta só medicar ou distrair. É preciso parar e perguntar: o que estou rejeitando? O que tenho tanto medo de encarar?

Reintegrar essas partes não é simples. Não basta reconhecer que elas existem. É preciso entender por que foram rejeitadas. O que havia de tão ameaçador ali? Por que você considerou aquilo proibido ou perigoso? Essa investigação traz autoconhecimento profundo. E quando você finalmente compreende, elabora e ressignifica, os sintomas desaparecem sozinhos.

Mas tem um detalhe importante: é preciso mudar de verdade. Não adianta só entender na teoria. É necessário agir diferente, pensar diferente, sentir diferente. Soltar o que não faz mais sentido e abrir espaço para o novo. Isso exige disciplina, coragem e, principalmente, desapego.

O apego é o grande vilão. Você até sabe que um comportamento te prejudica, mas continua nele porque há algum prazer ali, algum vício, algum benefício escondido. Quebrar isso leva tempo. Requer que você esteja atento todos os dias, disposto a treinar uma nova forma de ser.

Todo desejo que surge em você tem um motivo. Reprimi-lo é ir contra a própria vida. É dizer não para a sua energia vital, para a sua criatividade, para o seu direito de existir plenamente. O caminho não é reprimir, mas fortalecer o ego para lidar com esses desejos de forma consciente: renunciar quando necessário, manifestar quando possível, ou sublimar quando adequado.

Quanto mais você faz isso, mais se torna inteiro. E ser inteiro não é ser perfeito — é incluir tudo, até as partes que você sempre evitou.

Paula Teshima

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