Muitos indivíduos, especialmente aqueles com tendências neuróticas, encontram-se diante de desejos e impulsos que não conseguem vivenciar plenamente. Esses impulsos, muitas vezes reprimidos desde a infância, permanecem escondidos no inconsciente, influenciando silenciosamente seus comportamentos, suas escolhas e emoções.

Diante dessa situação, o sujeito neurótico pode sentir uma forte tentação de ultrapassar certos limites ou de experimentar pequenas “transgressões”. Essas ações não são necessariamente uma busca consciente por prazer ou rebeldia; elas funcionam como uma espécie de válvula de escape para aquilo que o indivíduo sente, mas não se permite expressar. A transgressão, mesmo que mínima ou simbólica, oferece uma sensação de alívio momentâneo, uma falsa liberdade que simula a satisfação de um desejo mais profundo.

No entanto, esse mecanismo é apenas uma forma disfarçada de lidar com a repressão. O inconsciente, ao perceber que o desejo não pode ser satisfeito de forma direta, cria alternativas sutis: objetos, atitudes ou comportamentos que se aproximam do que é realmente desejado, mas que permanecem seguros e “socialmente aceitáveis”. É como se o inconsciente dissesse: “Se não posso ter o que realmente quero, buscarei algo que seja parecido, algo que dê a sensação de tocar aquele desejo sem confrontá-lo diretamente.”

Esses atalhos são, na maioria das vezes, inofensivos na superfície, mas funcionam como um paliativo. Eles proporcionam conforto temporário, uma sensação de fuga ou compensação, mas nunca resolvem a causa profunda da tensão psíquica. A repetição desses comportamentos pode inclusive reforçar a repressão e criar um ciclo em que o indivíduo se mantém preso a soluções superficiais, afastando-se da possibilidade de autoconhecimento e transformação interior.

A verdadeira mudança ocorre quando o sujeito consegue voltar o olhar para dentro de si, com coragem, atenção e acolhimento. Olhar para o que está reprimido exige disposição para enfrentar aspectos que causam desconforto, medo ou vergonha. É nesse processo que o desejo reprimido deixa de ser um peso ou uma frustração e pode ser canalizado de maneira criativa e autêntica. Transformar o impulso inconsciente em expressão consciente é, de fato, libertador.

A psicanálise surge como o caminho privilegiado para essa transformação. Por meio da escuta, da interpretação e da reflexão guiada, o paciente encontra meios de dar voz ao que estava silencioso dentro de si. Não há necessidade de se esconder atrás de atalhos ou substitutos ilusórios. Ao reconhecer e acolher os desejos reprimidos, o indivíduo passa a compreender suas motivações mais profundas e a agir de maneira mais livre e autêntica, sem depender de mecanismos disfarçados de alívio momentâneo.

Além disso, essa jornada permite que o sujeito desenvolva um relacionamento mais honesto consigo mesmo e com o mundo ao redor. O que antes se manifestava apenas como pequenas transgressões ou comportamentos defensivos passa a ser canalizado de forma criativa — seja na arte, no trabalho, nas relações ou na própria vida interior. O inconsciente, antes limitado pela repressão, torna-se fonte de autoconhecimento, inspiração e crescimento.

Em última análise, o desafio do neurótico não está apenas em lidar com o desejo reprimido, mas em transformar a maneira como ele se relaciona com esse desejo. A coragem de encarar o inconsciente, o compromisso com a própria autenticidade e a abertura para o processo psicanalítico permitem que a energia contida na repressão seja convertida em vitalidade criativa, satisfação genuína e liberdade emocional.

A vida, assim, deixa de ser um caminho repleto de atalhos ilusórios e se torna um espaço de verdadeira realização, onde o que era reprimido encontra expressão e propósito, sem necessidade de disfarces ou substitutos temporários.

Paula Teshima