O Medo de Realizar o Desejo

O obsessivo vive num paradoxo cruel. Ele deseja intensamente algo — um relacionamento, um projeto, uma conquista. Passa meses, às vezes anos, pensando nisso. Planejando cada detalhe. Imaginando como será quando finalmente conseguir. Mas quando a oportunidade real aparece, quando está ali, a um passo de realizar o sonho, algo estranho acontece: ele desiste.
Perde o interesse. Encontra defeitos. Inventa obstáculos. E se afasta, voltando para o lugar seguro da fantasia. Porque, no fundo, ele não quer de verdade realizar o desejo. Ele quer continuar desejando.
Na psicanálise, isso se chama “adiamento perpétuo”. O obsessivo adia a satisfação porque teme o que vem depois dela. Se ele realizar o desejo, o que sobrará? O vazio. O fim do prazer de imaginar. A decepção de descobrir que a realidade nunca é tão perfeita quanto a fantasia. Então é mais seguro manter tudo no campo das possibilidades, onde nada pode desapontá-lo.
Ele se apega ao desejo em si, não ao objeto desejado. O prazer está na antecipação, no planejamento, na promessa de que “um dia” ele terá aquilo. Mas esse “um dia” nunca chega. E não pode chegar, porque se chegar, o jogo acaba.
Do ponto de vista espiritual, podemos dizer que o obsessivo está preso no plano mental. Ele vive na cabeça, no mundo das ideias, dos pensamentos infinitos. Não consegue descer para o corpo, para a matéria, para a ação concreta. Porque agir exige risco. Exige encarar a imperfeição. Exige aceitar que a vida real é bagunçada, imprevisível, e nunca corresponde exatamente ao roteiro que ele criou.
E há algo mais profundo ainda: a culpa. O superego feroz do obsessivo não permite que ele tenha prazer de verdade. Então ele cria um mecanismo engenhoso: sente prazer fantasiando, mas nunca realiza. Assim, pode desejar sem se sentir culpado por ter. Pode querer sem precisar assumir a responsabilidade de conseguir. Fica naquele limbo onde não tem, mas também não perde.
É uma forma de autossabotagem disfarçada de perfeccionismo. Ele diz a si mesmo que está esperando o momento certo, as condições ideais, a oportunidade perfeita. Mas, no fundo, sabe que esse momento nunca vai existir. E é exatamente isso que quer: uma desculpa eterna para não agir.
O problema é que isso esvazia a vida. Ele passa anos adiando, imaginando, planejando — e nunca vive de fato. Nunca sente o gosto da conquista real. Nunca experimenta a satisfação genuína. Fica preso num ciclo vicioso onde o único prazer permitido é o do desejo não realizado.
Do ponto de vista da alma, isso é trágico. Porque estamos aqui, encarnados, justamente para experienciar. Para colocar o desejo em ação. Para viver a matéria, com suas alegrias e frustrações. Ficar só no mundo mental é desperdiçar a oportunidade de estar vivo. É recusar o convite da existência.
A cura começa quando o obsessivo percebe esse padrão. Quando reconhece que tem mais medo da realização do que da frustração. Que prefere o prazer seguro da fantasia ao risco do real. E que, ao fazer isso, está se privando da própria vida.
É preciso coragem para sair da cabeça e entrar no mundo. Para aceitar que realizar um desejo não é o fim — é apenas o começo de algo novo. Que a imperfeição da realidade é mais rica do que a perfeição da fantasia. E que o verdadeiro prazer não está em desejar eternamente, mas em se permitir ter, viver, experimentar — e depois desejar de novo, num ciclo vivo e pulsante.
O obsessivo precisa aprender a soltar. Não o desejo, mas o apego ao desejo. Deixar que a vida aconteça. E descobrir que o prazer real, embora imperfeito e passageiro, é infinitamente mais satisfatório do que qualquer fantasia.
Paula Teshima