O Jogo da Dança: Entre Ego e Transcendência

A vida pede algo paradoxal: você precisa construir um ego forte o suficiente para funcionar no mundo, mas flexível o suficiente para não ficar aprisionado nele. É como aprender a nadar – você precisa de estrutura corporal para não afundar, mas também precisa saber relaxar e fluir com a água. Muita rigidez, você afunda. Muita dissolução, você se perde.
A psicanálise nos ensina que o ego saudável é aquele que tem fronteiras claras, mas permeáveis. Sabe quem é, mas não se identifica absolutamente com essa construção. Consegue dizer “eu”, mas também consegue temporariamente suspender esse “eu” quando necessário. É firme, mas não fixo. Forte, mas não rígido.
Isso se torna crucial quando você busca experiências espirituais. Para meditar profundamente, para conectar-se com dimensões mais sutis, para acessar guias, mentores ou seu próprio eu superior, você precisa afrouxar temporariamente as amarras do ego. Precisa desapegar daquilo que acha que é, das suas opiniões, dos seus medos, das suas preferências. É um processo de desidentificação consciente.
Mas – e aqui está o ponto vital – depois você precisa voltar. Precisa reintegrar-se ao corpo, à personalidade, ao plano material. Porque você está encarnado. Tem contas para pagar, relacionamentos para nutrir, um propósito terreno para cumprir. A transcendência não é fuga; é expansão temporária que deve servir à vida concreta.
O psicótico perde essa capacidade de retorno. Ele vai para o plano espiritual – muitas vezes forçadamente, por trauma ou estrutura frágil – e não consegue mais voltar completamente. Fica dissolvido, fragmentado, preso entre mundos. E por quê? Frequentemente porque a realidade material tornou-se insuportável. Ele não desenvolveu ego suficientemente forte para lidar com os desafios terrenos, então foge para dimensões onde tudo parece mais leve, mais luminoso, mais familiar.
Mas essa fuga é problemática porque ele esqueceu o seu propósito: encarnou justamente para viver a densidade da matéria. Antes de nascer, ele já habitava planos espirituais. Veio à Terra não para repetir aquela experiência, mas para algo completamente diferente – sentir peso, limitação, desafio, corporalidade. A missão não é transcender isso permanentemente, mas aprender a dançar com isso.
O oposto também existe: pessoas tão identificadas com o material que nunca se permitem uma experiência espiritual genuína. Vivem presas ao ego, aos papéis sociais, ao status, aos objetos. Nunca silenciam a mente, nunca se conectam com algo maior, nunca acessam sua intuição ou a sabedoria interior. São funcionais, mas espiritualmente mortas.
O ideal, tanto psicanaliticamente quanto espiritualmente, é a integração. Você constrói um ego saudável que consegue habitar plenamente o plano material – trabalhar, relacionar-se, sobreviver, criar. Mas esse ego também tem portas: em momentos específicos, você medita, reza, se conecta, acessa orientação espiritual. Recebe insights, cura, direcionamento. E então retorna, trazendo essas informações para aplicar concretamente na vida terrena.
Não é fugir do mundo para o espírito, nem se perder no mundo ignorando o espírito. É dançar entre os dois. Ir e vir. Desapegar e reintegrar. Transcender e encarnar. Dissolver-se e recompor-se.
Jung chamou isso de “função transcendente” – a capacidade da psique de transitar entre opostos sem se fixar em nenhum polo. A espiritualidade chama de sabedoria: estar no mundo sem ser do mundo, mas também estar no mundo sem se esquecer que há algo além.
O jogo da vida é exatamente esse: flexibilidade radical. Você precisa ser sólido e fluido ao mesmo tempo. Ter raízes e asas. Habitar plenamente cada plano quando está nele, sem se apegar a nenhum como se fosse o único.
Paula Teshima





