Existe uma conexão profunda e pouco compreendida entre a melancolia descrita por Freud – aquela tristeza persistente decorrente de golpes narcísicos – e o processo de despertar espiritual. Talvez alguns indivíduos reencarnem justamente com o propósito de passar por um aprimoramento pessoal profundo, e a melancolia seja o primeiro capítulo dessa jornada transformadora.
Pense naquele ser que não foi adequadamente acolhido quando bebê, que vivenciou diversos traumas durante a infância e adolescência. Ele cresce apático, cabisbaixo, sem perspectiva real de futuro. A vida parece não fazer sentido. Esse vazio existencial, essa ausência de propósito, frequentemente transforma esse indivíduo em um buscador compulsivo – alguém que passa a vida procurando respostas, direcionamentos, explorando diferentes áreas de estudo, como se estivesse tentando decifrar um enigma interno que o atormenta desde sempre.
A Busca Frenética e o Despertar
Essa busca incessante pode culminar em algo inesperado: o despertar espiritual. De repente, a pessoa se depara com informações que contrastam radicalmente com seus padrões de crenças, valores e conhecimentos sobre a existência. É um choque de realidades que pode, inicialmente, agravar ainda mais a melancolia já instalada, empurrando o indivíduo para o que chamamos de “fundo do poço”.
Mas é justamente nesse ponto mais baixo que pode acontecer a grande reviravolta. Ter forças para se erguer e transformar completamente o rumo da jornada dependerá do propósito individual de cada alma. Uma verdade interessante emerge aqui: quanto maior a dor emocional, mais motivado e disposto o indivíduo tende a estar para mexer naquilo que é difícil, doloroso e trabalhoso. A dor se torna combustível para a transformação.
Semelhanças Reveladoras
Quando observamos pessoas melancólicas e aquelas no início do despertar espiritual, encontramos semelhanças notáveis: desânimo, apatia, falta de sentido na vida, infelicidade, decepção, desilusão consigo mesmas ou com a vida, alta sensibilidade, foco no mundo interior, autorreflexão constante, ansiedade, baixa autoestima, cansaço inexplicável, indecisão, passividade, vitimismo, codependência, anedonia (falta de prazer), desinteresse por coisas que antes faziam sentido, sensação de culpa ou vazio interior, apreciação pelo período noturno, ego frágil, desinteresse por estímulos externos, preferência por ambientes calmos, dons artísticos e uma persistente sensação de ter perdido algo importante.
O Vazio Que Nada Material Preenche
A sensação de vazio é particularmente reveladora. Mesmo tendo dinheiro, objetos, pessoas queridas e tudo que a materialidade pode oferecer, a pessoa sente um buraco no peito, como se algo essencial estivesse faltando. E está. O que falta não são mais posses ou relacionamentos, mas a reconexão com quem ela verdadeiramente é. É preciso olhar para dentro, para as emoções mal resolvidas, os traumas e dores do passado que ficaram enterrados. São exatamente essas questões pendentes que impedem o indivíduo de atingir seu máximo potencial, de ser genuinamente feliz, criativo, espontâneo, autêntico e natural.
O Ego Frágil e Suas Consequências
Por ter sido criada em um ambiente insuficientemente bom, a pessoa desenvolve um ego frágil que não consegue suportar a ambivalência inerente à vida – aceitar que a realidade tem sempre dois lados, o positivo e o negativo. Ela passa a ignorar ou reprimir tudo que considera ruim, apegando-se desesperadamente apenas ao lado positivo. O resultado é uma pessoa extremamente submissa, codependente, indecisa, desempoderada, sem iniciativa própria e aterrorizada pela possibilidade de desagradar os outros, estabelecer limites ou defender-se.
A Desilusão Profunda
A falta de conexão interior leva a pessoa a acreditar na personalidade que ela construiu durante a infância – uma máscara que não representa quem ela realmente é. Os erros, falhas, fracassos e limitações pertencem apenas a essa personalidade criada. A essência verdadeira já é perfeita, completa, sábia. Nada lhe falta.
Mas ao viver a vida terrena, nos deparamos com inúmeras castrações e limitações, internas e externas, frustrando-nos diante da realidade como ela é. Adoecemos quando não conseguimos aceitar as regras e imposições necessárias para viver em sociedade. Sofremos com a falta da liberdade e expressividade que tínhamos antes de encarnar. A vida se torna uma prisão. E quando o melancólico desperta, percebe quantas mentiras e crenças falsas sustentaram sua existência até ali.
Dons Artísticos e Sensibilidade Aguçada
Essas pessoas tendem a ter o hemisfério direito do cérebro mais ativo e desenvolvido – a região ligada às artes, música, escrita, intuição, emoções, criatividade e subjetividade. Por isso, podem ter dificuldade em usar primeiramente a razão para lidar com conflitos e problemas. Tendem a ser adultos com mentalidade mais infantil, inocente, às vezes sem bom senso prático. Mas possuem habilidades naturais para profissões relacionadas ao meio artístico, terapias, escrita, design e investigação.
A alta sensibilidade dessas pessoas as torna mais introspectivas e suscetíveis a intensidades mínimas – qualquer problema pequeno é sentido como se fosse gigantesco. Mas essa característica também as torna capazes de detectar rapidamente mudanças sutis em si mesmas, nos ambientes ou nos outros. Sentem profundamente as emoções, compreendem as dores alheias, desenvolvendo altíssimo nível de empatia e compaixão.
A Sensação de Perda Inexplicável
Muitos relatam uma sensação persistente de perda. Às vezes identificável – uma pessoa, um animal, um trabalho, um projeto, um ideal. Mas quando não há algo concreto, a perda é de si mesmo. É estar vivendo de um modo que não faz sentido ou sendo quem não gostaria ser. É viver desconectado da própria essência, usando máscaras, criando hábitos e comportamentos disfuncionais para desviar a atenção daquilo que não se pode olhar ou mudar.
O Cansaço Constante e o Bem-Estar Noturno
O cansaço inexplicável, quando não há esforço físico, geralmente se deve ao intenso trabalho libidinal interno que ocorre continuamente. Existem conflitos mentais que nunca são resolvidos porque a pessoa não para para refletir e olhar para dentro. Na melancolia, o superego usa toda energia atacando o próprio ego. No despertar espiritual, o cansaço surge devido ao afloramento das questões negativas que finalmente estão sendo enfrentadas.
Curiosamente, tanto melancólicos quanto pessoas em despertar espiritual relatam sentir-se melhores no final da tarde e durante a noite. Parece existir uma apreciação especial pelo período noturno e pela madrugada – momentos mais favoráveis para introspecção, reflexão e acolhimento, conduzindo a estados de serenidade, silêncio e relaxamento que tranquilizam aqueles que se sentem internamente perturbados.
O Caminho do Empoderamento
Em ambos os casos, são pessoas que precisam urgentemente aprender a se empoderar – fortalecer o ego, a autoestima, sentir-se seguras, fortes, corajosas, donas de si. Só assim perderão o medo de olhar para as questões emocionais pendentes e poderão promover um longo e profundo trabalho de cura interior.
Será necessário desconstruir a personalidade criada no início da vida, baseada na sobrevivência em um ambiente hostil, e a partir dos conhecimentos adquiridos, reconstruir um modo mais saudável de ser, pensar, sentir e agir no mundo. E aqui está a verdade mais importante: ninguém pode fazer isso por elas. Esse é um processo pessoal e intransferível de aprendizado, crescimento e evolução que cada alma veio buscar em sua existência terrena. A melancolia, então, deixa de ser apenas sofrimento e revela-se como o primeiro passo de uma jornada de retorno a si mesmo.
Paula Teshima