Existe uma inquietação profunda no coração do neurótico. Uma resistência que a psicanálise identifica como recusa à castração simbólica — aquele corte necessário que nos separa do paraíso infantil e nos lança no mundo das regras, dos limites, da incompletude. O histérico e o obsessivo carregam essa marca: não aceitam plenamente que são incompletos, que precisam renunciar, que devem buscar fora o que não podem ter dentro.

Mas de onde vem essa resistência tão persistente? Talvez ela não seja apenas patologia. Talvez seja também memória de algo maior — uma consciência que percebe, ainda que confusamente, que certas leis humanas não são naturais, mas construções frágeis erguidas sobre o medo.

O tabu do incesto, por exemplo. Na natureza, ele não existe da forma como conhecemos. Animais acasalam dentro do próprio grupo, guiados apenas pelo instinto. Não há culpa, não há proibição moral. A vida flui. E quando nascem filhotes fracos ou doentes, a natureza simplesmente segue: alguns morrem, outros sobrevivem. Não há apego, não há necessidade de controlar cada detalhe da reprodução para garantir descendentes perfeitos.

Mas o ser humano não suporta isso. Não consegue aceitar a imperfeição, a perda, a fragilidade. Quer filhos fortes, saudáveis, capazes. Por isso criou regras: evitar o cruzamento entre parentes próximos, selecionar parceiros com boa genética, construir linhagens poderosas. Tudo para fugir do sofrimento de ver um filho nascer fraco ou morrer cedo. Tudo para evitar o insuportável: a própria limitação humana.

E o neurótico, em seu íntimo, sente isso. Ele não aceita totalmente essas leis porque, em algum lugar profundo, reconhece que elas não vêm da vida — vêm do medo da vida. São defesas construídas por uma humanidade que perdeu contato com o fluxo natural da existência. O neurótico resiste porque sua alma ainda lembra que a completude não está em seguir regras externas, mas em se reconciliar com a própria incompletude.

Na linguagem espiritual, poderíamos dizer que o neurótico carrega uma consciência mais desperta — ou talvez mais inquieta. Ele pressente que as estruturas sociais, por mais necessárias que pareçam, também aprisionam. Que a ordem civilizatória cobra um preço alto: a desconexão com o ritmo orgânico da vida. Por isso ele sofre tanto. Não por ser inferior, mas por estar desconfortável demais dentro das caixas que a cultura construiu.

Observe a natureza: ela não resiste, não controla, não se apega. Uma árvore não sofre por perder folhas no outono. Um animal selvagem não entra em desespero diante da morte. Há uma aceitação profunda do ciclo — nascer, viver, morrer, renascer. Mas, o ser humano, com sua consciência expandida, também ganhou a angústia de saber demais e aceitar de menos.

O caminho do neurótico, então, não é se adaptar cegamente às normas nem rejeitá-las por completo. É integrar. Reconhecer que sim, existem limites reais — não podemos ter tudo, não somos completos, precisamos renunciar. Mas também perceber que muitas dessas limitações são arbitrárias, frutos do medo coletivo, e não verdades absolutas.

A cura não está em aceitar passivamente a castração imposta. Está em compreendê-la, questioná-la, e escolher conscientemente quais limites são saudáveis e quais são prisões. O neurótico que desperta espiritualmente aprende a dançar entre a ordem e o caos, entre a regra e a liberdade, sem se perder em nenhum dos extremos.

Ele para de lutar contra a incompletude e começa a habitá-la. E descobre que, paradoxalmente, é justamente ali — na aceitação serena do que falta — que a verdadeira completude se revela.

Paula Teshima