O Apego Como Prisão: Quando o Bom Impede o Melhor

Existe um fenômeno curioso que acontece em muitos consultórios de psicanálise: a pessoa inicia o processo, começa a se conhecer, a enxergar padrões – e de repente abandona a análise. Não porque não está funcionando, mas justamente porque está funcionando bem demais. Ela percebe, ainda que inconscientemente, que continuar o tratamento significa ter que mudar. E mudar significa abandonar o que já tem.
Pode ser um casamento morno, mas seguro. Um emprego que paga bem, mas sufoca a alma. Um círculo social que a valida, mas limita. Uma cidade confortável, mas pequena demais para seus sonhos. A pessoa olha para tudo isso e pensa: “Está bom assim. Por que arriscar?” E então interrompe a análise antes que ela se force a escolher entre o conforto atual e uma vida mais autêntica.
O problema não é que essas coisas sejam ruins. O problema é que são apenas boas – e o bom é inimigo do ótimo. A pessoa se apega aos benefícios presentes e perde a capacidade de imaginar que poderia haver algo ainda melhor. É como ficar para sempre na quinta série porque você tirava notas boas ali, recusando-se a avançar para a sexta.
Espiritualmente, esse apego é uma forma de estagnar a própria evolução. O universo é infinito em possibilidades, mas você se prende a uma única configuração de vida como se fosse a definitiva. Esquece que veio à Terra justamente para experimentar, crescer, transformar-se constantemente. A alma não encarnou para encontrar uma zona de conforto e hibernar ali até a morte.
A psicanálise revela algo ainda mais profundo: muitas vezes, o que a pessoa chama de “benefícios” do presente são, na verdade, sintomas neuróticos disfarçados de conquistas. Aquele casamento “estável” pode ser uma evitação de intimidade real. Aquele emprego “seguro” pode ser um sacrifício do desejo verdadeiro no altar da aprovação social. Aquele status conquistado pode ser uma armadura contra a própria vulnerabilidade.
Mas a pessoa não quer ver isso. Porque ver significa ter que agir. E agir significa abrir mão do conhecido pelo desconhecido. Trocar a garantia pela possibilidade. O que ela não percebe é que essa “garantia” é ilusória – a vida muda de qualquer forma, com ou sem nossa permissão.
A única questão é: você escolhe a mudança ou ela te escolhe?
O desapego não significa desprezar o que você tem. Significa desfrutar plenamente enquanto está aqui, extrair todas as lições possíveis, e então ter a sabedoria de reconhecer quando aquele ciclo se completou. Ou seja, quando você já tirou dez naquela matéria escolar e está apenas repetindo a mesma prova indefinidamente por medo de avançar.
É aí que vem a depressão, o vazio existencial, aquela sensação de que a vida perdeu o sentido. Não é porque falta algo – é porque sobra estagnação. A alma quer crescer, experimentar, desafiar-se. Mas a personalidade neurótica quer segurança, controle, previsibilidade. E esse conflito interno paralisa.
A verdadeira felicidade não vem de acumular e segurar. Vem de fluir, de dançar com a vida, de estar tão vivo no presente que você consegue soltá-lo quando ele se transforma em passado. Cada final é um começo disfarçado. Cada renúncia abre espaço para algo novo nascer.
Você veio à Terra para ser um eterno aprendiz, não um colecionador de conquistas. O sentido da vida não está em chegar a um ponto final confortável – está no movimento constante de adaptação e mudanças. Quando você para de crescer, para de viver. Você pode estar respirando, mas já começou a morrer.
A pergunta essencial é: o quanto você está disposto a soltar para continuar evoluindo?
Paula Teshima






