O melancólico vive uma contradição profunda: habita um corpo adulto, mas opera com uma mentalidade essencialmente infantil. Seu ego frágil não consegue lidar com os aspectos negativos da vida, então desenvolve estratégias inconscientes para evitar o contato com suas emoções mais dolorosas. Uma dessas estratégias é particularmente reveladora: ele regride psiquicamente para a fase oral – aquele momento primordial da infância onde o bebê se relaciona com o mundo principalmente através da boca, engolindo, incorporando, fazendo tudo parte de si.

A Forma Infantil de Amar

Na fase oral, o bebê não consegue manter o objeto amado como algo separado de si. Ele quer trazer esse objeto para dentro, literalmente engoli-lo, porque ama tanto que deseja ser exatamente como ele. É a primeira forma de amor que conhecemos: a identificação. O bebê olha para a mãe e pensa “eu quero ser você”, então tenta incorporá-la ao seu próprio ser.

Mas essa não é a forma adulta de se relacionar. Adultos saudáveis conseguem usar os objetos – e aqui “objeto” não tem conotação negativa, é simplesmente o termo psicanalítico para as pessoas com quem nos relacionamos. Numa relação madura, existe troca: eu uso você, você me usa, ambos obtemos satisfação, criamos vínculos, e quando não funciona mais, conseguimos nos separar e buscar outras conexões. É uma dinâmica fluida, onde preservamos nossa individualidade enquanto nos relacionamos.

O melancólico, porém, estabelece relações narcísicas. Sente-se profundamente atraído por pessoas que se parecem com ele, com quem ele foi no passado ou com quem gostaria de ser. Existe um filtro inconsciente que seleciona apenas determinados tipos de pessoas para se relacionar – aquelas que espelham algo dele mesmo. Isso revela uma questão edipiana mal resolvida, onde ao invés de amadurecer a forma de amar, a pessoa permanece presa nesse modelo infantil de tentar incorporar o outro ao próprio ego.

A Ilusão da Incorporação

Há algo quase mágico no pensamento melancólico: a crença de que simplesmente imitando ou “sugando” a energia do outro, sem o esforço real de aprender, estudar ou se desenvolver, conseguirá alcançar os mesmos talentos e habilidades que admira naquela pessoa. É querer tudo de graça, sem pagar o preço do desenvolvimento pessoal. Esse é um pensamento profundamente infantil, desprovido da compreensão de como as coisas realmente funcionam no mundo adulto.

Pessoas que se identificam facilmente com os outros revelam uma imaturidade fundamental: não conseguem sustentar uma identidade própria. Não sabem quem são, o que gostam, quais são suas verdadeiras habilidades ou para onde devem ir. Por isso recorrem constantemente ao mundo externo em busca de modelos, conselheiros, guias – alguém que lhes diga quem deveriam ser.

Relacionamentos Tóxicos e Indigestão Emocional

Essa dinâmica se torna especialmente destrutiva em relacionamentos tóxicos. O melancólico literalmente “engole” o objeto amado e passa a vida inteira com uma indigestão emocional. Aceita tudo que o parceiro abusivo faz – humilhações, menosprezo, agressões – sem reclamar, sem discutir, sem conseguir sair da relação. Por quê? Porque está tão apegado e dependente, acreditando profundamente que não consegue dar conta da própria vida sozinho.

Toda essa raiva, frustração, rancor e humilhação são engolidas, muitas vezes se manifestando literalmente em disfunções digestivas e intestinais. O corpo grita o que a mente não consegue processar: existem coisas não mastigadas, não dissecadas, não analisadas. É como engolir alimento sem mastigar – ele fica ali, causando desconforto, mas nunca é verdadeiramente digerido.

O Amor que Destrói

Tanto o melancólico quanto o obsessivo – fixados respectivamente na fase oral e na fase anal sádica – manifestam seu amor de uma forma que se assemelha perigosamente ao ódio. O aprisionamento nessas fases faz com que amem o objeto de tal maneira que acabam destruindo-o, prejudicando-o, matando-o aos poucos. Não se importam em preservar aquilo que dizem amar. É uma forma infantil e destrutiva de amar.

Esse padrão frequentemente se reflete até nos objetos materiais. Pessoas assim tendem a não cuidar daquilo que mais gostam e usam – deixam objetos de valor largados, empoeirados, sujos. Não se permitem ter zelo. Aquilo que lhes custou caro vai se deteriorando, estragando, quebrando, espelhando exatamente o modo como se relacionam com as pessoas que amam.

O obsessivo possui um sadismo tão intenso que compromete a vida do objeto amado, desejando inconscientemente que seu parceiro se comporte como um ser morto – controlado, previsível, sem vida própria. Já o melancólico se encontra regredido à fase sádica, mas com uma diferença crucial: seus intensos impulsos de ódio se voltam contra si mesmo, justamente porque introjetou o objeto para dentro de si.

A Dupla Regressão

A energia do melancólico se direciona para o próprio ego, pela via da identificação, e também para o sadismo. Existe aqui uma dupla regressão: à fase oral e à fase anal sádica. Isso explica a intensidade do ódio que o melancólico sente – é um ódio duplicado, amplificado por essa estrutura psíquica específica.

A diferença fundamental entre melancólico e obsessivo é que o primeiro introjeta o objeto amado perdido e começa a se maltratar por conta dessa identificação. O obsessivo, por outro lado, consegue manifestar alguma hostilidade direta na relação, embora não o suficiente para se satisfazer, guardando mágoa e frustração. Quando perde o objeto, pode desenvolver luto patológico, culpando-se pela morte do outro, mas sem se identificar completamente com ele.

O luto patológico pode evoluir para melancolia quando o indivíduo não aceita a perda e mantém questões mal resolvidas com o falecido. O amor se transforma em ódio, e esse ódio é reforçado por uma regressão do amor à fase sádica. A ligação permanece, mas agora mantida por sentimentos hostis disfarçados de amor. É um jeito infantil de amar: machucando e sentindo prazer nisso.

O Ciclo de Autodestruição

Como o melancólico introjetou o objeto dentro de si, ele precisa se punir, se maltratar, se ferir para não se desligar do objeto e continuar odiando-o. Mas não percebe que tudo aquilo que diz ou faz sobre si mesmo está se referindo ao objeto amado. Dessa maneira, satisfaz seus impulsos de ódio de forma disfarçada, gozando com a própria destruição. Se tomasse consciência desses atos sádicos, pararia imediatamente, pois seu superego rígido o condenaria.

Na maioria das vezes, a melancolia não surge devido à morte física do objeto amado, mas por conflitos constantes e intensos típicos de relacionamentos tóxicos. É normal existir ambivalências nas relações humanas – todos nós oscilamos entre amor e raiva. Porém, nas relações tóxicas, essa ambivalência é estimulada e reforçada pelos conteúdos não resolvidos que o sujeito traz de relacionamentos passados.

O obsessivo cria padrões mentais que só existem em sua cabeça, induzindo o outro a comportamentos desequilibrados. Os sentimentos de amor e ódio se tornam extremamente intensos. A pessoa abusada acumula imensa raiva, porque o narcisismo humano não permite ser violentado sem sentir nada. E o obsessivo se defende dessa raiva através de uma formação reativa – tornando-se excessivamente bonzinho, agradável, simpático, cuidando demais do objeto amado para se proteger de seus próprios impulsos hostis.

A Impossibilidade da Troca

Em relacionamentos saudáveis, quando alguém nos trata com menosprezo ou humilhação, a raiva que surge nos motiva a sair dessa relação e buscar algo melhor. Mas no melancólico essa troca não acontece porque ele está fixado na fase oral, reagindo de forma infantil. Aceita tudo sem reclamar, sem se defender. Identifica-se com o agressor, introjeta-o e permanece preso.

São pessoas que, muitas vezes, não conseguem sequer trair o parceiro – não apenas por questões morais, mas porque simplesmente não conseguem se desapegar do objeto no qual estão fixadas, encantadas, hiperfocadas. Não conseguem pensar em outra pessoa, não conseguem expressar seu ódio diretamente, então vingam-se através da autodestruição. Maltratam a si mesmos, punem-se, porque engoliram o objeto e se tornaram um com ele. Destruir-se é destruir o outro. Amar-se é impossível, porque isso significaria amar também aquele que os machuca.

É um ciclo trágico onde o amor se confunde com destruição, onde cuidar de si parece uma traição ao objeto amado, e onde a única forma de expressar raiva é voltando-a contra o próprio ser. Compreender essa dinâmica é o primeiro passo para quebrá-la e buscar formas mais maduras e saudáveis de amar.

Paula Teshima