Neuróticos e Psicóticos Vivem Fugindo do Seu Passado

Podemos dizer que neuróticos e psicóticos são pessoas que vivenciaram muitas dores e traumas profundos durante a infância. Infelizmente, não foram criados num ambiente suficientemente bom. Seus pais ou cuidadores acabaram negligenciando cuidados físicos e/ou emocionais que toda criança necessita. Eles experienciaram, portanto, rejeição, abandono, sofrimento e outras carências. Nesta idade tão tenra, não tinham condições de lidar com sentimentos e emoções tão difíceis, então usaram mecanismos de defesas como, por exemplo, a projeção e a repressão. É muito comum, também, fugirem para o mundo da fantasia, criando uma realidade perfeita, agradável e harmoniosa. Dessa forma, podem compensar todo o sofrimento vivido constantemente, gozando através dos sintomas físicos, no caso dos neuróticos; ou manifestando na vida real (através das alucinações e paranóias) o que de fato sonha vivenciar, no caso dos psicóticos.
Devido a falta de cuidado adequado durante a infância, o neurótico desenvolveu um ego muito frágil, e o psicótico, mais frágil ainda. Isso faz com que não consigam dar conta de lidar com as adversidades, fracassos, perdas, rejeição, traições… eles sentem tudo isso com muita intensidade, por terem um ego muito mais sensível. Um probleminha qualquer vira um problemão. Torna-se, portanto, um adulto vivendo num corpo de adulto com uma mentalidade infantil, frágil, medrosa. Tem muito medo da mudança, do novo, de fazer as coisas de modo diferente, por isso não consegue mudar o seu jeito de ser. Eles não conseguem parar para pensar, analisar e refletir sobre as situações dolorosas, por isso acabam se revoltando pela via da doença.
O psicótico, diante da realidade frustrante, ignora-a, e cria uma realidade que existe somente na sua mente. Só que ele não consegue criar uma realidade linda e desejável como os neuróticos. Os delírios e alucinações possuem caráter negativo, persecutório e desprazerosos, e são provenientes de diversos fragmentos misturados do conteúdo que ele rejeitou. Ou seja, todo conteúdo rejeitado sempre acaba retornando. Ele vive sendo assombrado pela realidade que rejeitou. Agora, o neurótico não precisa recorrer ao delírio, porque ele não rompe o contato com a realidade totalmente. Ele escolhe não lidar com o problema e continua vivendo como se nada de ruim tivesse acontecido. Ele simplesmente finge que não viu o que aconteceu.
A psicose tende a ser mais grave que a neurose, porque a realidade para cada um deles é diferente. O neurótico geralmente tem uma infância muito repressora na qual não permite reconhecer seus desejos e suas vontades inatas. Já, o psicótico, vive num ambiente onde ocorre abusos, violência física, estupros, assassinatos… Dá para imaginar porque o psicótico promove uma fuga radical da realidade. Podemos dizer que a realidade do psicótico é insuportável, e a realidade do neurótico é ignorável.
O neurótico é passivo-agressivo, é mais covarde, não tem coragem de reclamar ou enfrentar o outro. E o psicótico é ativo, ele reage e faz algo para mudar o que não está gostando, mas ele muda apenas a sua realidade mental, não muda o que, de fato, precisa ser mudado – sua realidade externa.
O neurótico é aquela pessoa que, no fundo, deseja viver somente coisas boas, agradáveis e felizes, pelo fato de ter sofrido muito no passado. Não quer pagar o preço para viver essas coisas positivas em sua vida. Ou seja, quer que tudo isso chegue até ele, de graça, sem esforço, sem trabalho. Cria uma realidade mental perfeita e se apega demais a ela. Não gosta das coisas que acontecem na vida real, pois não tolera a frustração, decepção, perdas, erros… simplesmente por não ter sido educado, desde criança, a lidar com elas de forma saudável. Rejeitar, ignorar, jogar para o outro, pôr debaixo do tapete… são escolhas infantis de lidar com aquilo que é difícil ou insuportável. Isso quer dizer que o neurótico costuma agir na vida adulta como uma criança dependente, carente, medrosa, insegura, desprotegida. Pode acreditar que jogar na loteria, aguardar a chegada de um salvador e se manter numa postura submissa, certinha, boazinha… será um excelente filho de Deus e, portanto, merecedor de viver o paraíso na Terra. Só que ele não percebe (ou se esquece) de fazer a parte dele. Só desejar e ser correto não garante a vida perfeita dos seus sonhos. É preciso colocar a mão na massa, buscar, realizar, agir, arriscar, ousar, mudar… Esqueceu que está aqui na Terra com o propósito de aprender, crescer, evoluir… Uma vida sem novidades e desafios constantes está fadada ao fracasso, a morte, ao retorno de onde veio. Ao invés de cumprir seu propósito existencial, estará se afundando cada vez mais, piorando aquilo que almejou aprimorar nesta vida. É necessário que o desejo libidinal direcionado para o mundo das fantasias seja transferido para o mundo concreto. É exatamente isso que o sujeito saudável faz. Todo mundo possui fantasias, porque a realidade é frustrante, não dá para ser feliz o tempo todo. Todos nós somos regidos pelo princípio da realidade. A pessoa saudável consegue conciliar os dois lados da vida – o positivo e o negativo. Ela não rejeita, não exclui, não ignora o lado que não prefere. Ela consegue aceitar os fracassos, perdas, dores, dificuldades… porque possui um ego forte, fruto de ter sido cuidada num ambiente suficientemente bom. Ela encara, portanto, a realidade da forma como ela é, e utiliza sua criatividade para buscar maneiras de torná-la mais próxima do seu mundo de fantasia.
O neurótico precisa aprender a ser uma pessoa mais flexível, se adaptar às circunstâncias, perder o medo que tem de encarar os conteúdos que mantém reprimido no inconsciente. Para isso é preciso trabalhar o ego, fortalecendo-o, para não continuar sendo dominado pelo próprio superego. Já, no caso do psicótico, se houver um pingo de ansiedade ou depressão, poderá ter chances de se submeter ao um tratamento favorável, revelando que ainda há um resquício de um superego embrionário capaz de se desenvolver por completo. E, para ambos, desapegar-se do mundo da fantasia e buscar maneiras saudáveis de colocar em prática todos os seus desejos. O ego realmente forte é o do sujeito saudável que, ao olhar para seu desejo, descobre um jeito de manifestá-lo, atendendo tantos os desejos do Id quanto do superego/realidade. É entender que neste momento estamos vivendo no mundo material, e não no mundo espiritual. A vida humana nos convida a realizar os nossos desejos no mundo físico a fim de obtermos aprendizados, crescimentos e experiências terrenas.
O mais irônico é que, quanto mais o neurótico ignora ou rejeita os aspectos negativos da vida, mais necessita se refugiar na sua fantasia perfeita. Não percebe que quanto mais olhar para suas dores e resolvê-las, mais se aproximará, automaticamente, da vida “perfeita” que tanto deseja.
Um ponto interessante a ser considerado é que para lidarmos harmoniosamente com a realidade, Freud observa que devemos combinar os aspectos saudáveis da neurose com o da psicose. Por exemplo, o sujeito deseja ir à Austrália e não dá para ir porque não tem dinheiro. O neurótico não deveria aceitar esse impedimento, não se submeter à essa realidade frustrante. E o psicótico, buscaria maneiras de mudar essa realidade frustrante, indo trabalhar para obter dinheiro.
Enfim, podemos observar que, quanto maior o sofrimento experienciado, de forma recorrente e insolúvel, em qualquer idade, maiores são as chances do neurótico recorrer às fantasias para se anestesiar, e o psicótico rejeitar a realidade, obtendo a satisfação que não encontra na vida real. Enquanto o sujeito não “acordar” deste sonho, olhar para o que rejeitou e reintegrá-los no seu ser, continuará sofrendo as consequências o resto de sua vida. Seria mais prudente sofrer algumas poucas vezes, ao invés de arrastá-lo, inconscientemente, ao longo de sua jornada.
Paula Teshima